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Clara Nunes

A maravilhosa Clara Nunes estaria completando 81 anos hoje, 12 de agosto! Leonina com talento artístico como poucos, Clara ajudou a romper muitos tabus durante seu tempo conosco. Cantora e compositora, é, ainda, uma das maiores intérpretes brasileiras, tendo sido a primeira mulher a vender mais de cem mil discos, quebrando o mito de que tal façanha era uma exclusividade masculina.

“Se vocês querem saber quem eu sou
Eu sou a tal mineira
Filha de Angola, de Ketu e Nagô
Não sou de brincadeira
Canto pelos sete cantos
Não temo quebrantos
Porque eu sou guerreira
Dentro do samba eu nasci
Me criei, me converti
E ninguém vai tombar a minha bandeira”

Essa música, lançada no álbum de 1978, selou a parceria entre Clara e Paulo César Pinheiro e, de certa maneira, sinalizou uma importante mudança na trajetória musical da cantora, pois, não raro, sua presença marcante e potente era associada, apenas, às músicas de “macumba” pelas línguas malidicentes.

Nascida em Caetanópolis, no interior de Minas Gerais, ficou órfã aos seis anos, tendo sido criada pelos irmãos mais velhos. Desde pequena, adorava música! Com apenas 10 anos, ganhou seu primeiro concurso de canto em sua cidade natal. Começou a trabalhar, como tecelã, aos 14 anos para poder ajudar em casa, mas, sempre que podia, participava de concursos musicais. Após vencer a competição nacional de “A Voz de Ouro ABC”, recebeu o convite para apresentar-se como cantora fixa na Rádio Inconfidência de Belo Horizonte. Considerada a melhor cantora de Minas Gerais por três anos seguidos, pode deixar o emprego na fábrica e se dedicar à carreira artística, ficando conhecida pelos boleros que cantava na época. Contudo, foi através do samba que deu sua contribuição mais expressiva à música popular brasileira.

Nos idos dos anos ’60 viu o mar pela primeira vez quando foi morar com o namorado em Copacabana. Foi também no Rio de Janeiro que teve contato com os terreiros de religião de matriz africana. Em um primeiro momento, entrou para o Candomblé e, alguns anos mais tarde, em 1971, passou a se dedicar à Umbanda. A religião se tornou não apenas uma forma de ver e estar no mundo, mas passou a ser uma das bandeiras de Clara, uma vez que compôs inúmeras músicas inspiradas pelos ensinamentos do Candomblé e em homenagem aos Orixás. Suas vestimentas, nos palcos, também representavam essa crença, sendo comum usar roupas brancas, enfeitar-se com muitos colares e pulseiras além dos turbantes.

Fez inúmeras viagens para diferentes países europeus e africanos, compartilhando a diversidade da cultura brasileira. A maioria de seus grande sucessos traz, justamente, essa representatividade da miscigenação de raças e credos que vivemos no Brasil, como “Morena de Angola”, “Canto das Três Raças”, “O Mar Serenou” e “Peixe com Coco”.

Infelizmente, Clara nos disse adeus precocemente. Faleceu em 2 de abril de 1983 devido a uma complicação durante uma cirurgia de varizes. Seu velório gerou grande comoção e mais de 50 mil pessoas compareceram na quadra da escola de samba Portela, sua escola de coração.

Deixou um legado incrível, tornando-se uma estrela internacional da MPB. Com mais de quatro milhões e quatrocentos mil discos vendidos, é impossível escutar suas músicas sem embalar as cadeiras. Em 2021, o jornalista Leonardo Bruno lançou a obra “Canto de rainhas: o poder das mulheres que escreveram a história do samba” pela editora Agir. Naturalmente, Clara Nunes é uma das cinco estrelas escolhidas pelo autor. E sua bandeira continua sendo agitada pelas vozes emocionadas daqueles que ainda hoje cantam suas canções.

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