Desde Enheduanna, nosso primeiro post desta editoria, estamos seguindo as pegadas dos passos firmes de todas aquelas que, como a luz de um farol na escuridão, são as estrelas guias que nos mostram como ir além da dualidade e não temer a ousadia de nos tornarmos quem potencialmente já somos. Honrar o nosso nome e a nossa origem. Simples (e difícil) assim.
Hoje queremos homenagear àquela que nos inspirou a escolher o nome desta editoria: a canceriana Susan Jocelyn Bell, uma astrofísica irlandesa.
Por que “pulsar”? Pela sutileza, elegância e duplicidade de sentido que a palavra sugere. Enquanto verbo, refere-se a algo muito instintivo e orgânico, como a natureza feminina é. O pulsar do sangue, das batidas do coração, remete ao ritmo, à cadência e à força vital, por exemplo. Enquanto substantivo, Pulsar é uma estrela (!) de nêutrons que, em virtude de seu intenso campo magnético, transforma a energia rotacional em energia eletromagnética. De uma maneira muito simplificada, pode-se dizer que, à medida em que o pulsar gira, um campo elétrico é induzido em sua superfície e, se o eixo do campo magnético ficar na nossa linha de visão, vamos observar uma radiação eletromagnética no espaço como se fosse a luz de um farol a girar.
Foi Susan Jocelyn Bell, nascida em 15/07/43, quem identificou os primeiros pulsares de rádio em 28 de novembro de 1967, enquanto ainda era estudante de pós-graduação no Mullard Radio Astronomy Observatory. Ou seja, aos 24 anos, a jovem fez “a maior descoberta astronômica do século XX”, nas palavras de Iosif Shklovsky.
Em realidade, desde agosto daquele ano, ela já tinha percebido sinais da emissão natural de rádio no céu, mas, na época, todo o trabalho de pesquisa era feito manualmente. Sua tarefa era analisar registros que preenchiam, diariamente, cerca de 300 metros de tiras de papel! (uma observação aqui: apesar de não termos registro de seu horário de nascimento, imagino que um Ascendente em Virgem combinaria muito bem com esta tarefa…). Ainda mais porque ela percebeu a sutileza de uma pulsação muito rápida, como se fosse um “ruído” que os registros apresentavam. O próprio orientador da pesquisa, Antony Hewish, não deu relevância ao fato. Não obstante, o sinal persistia durante meses e acompanhava o movimento aparente das estrelas.
Susan continuou a investigar e acabou identificando mais três fontes com as mesmas características: pulsações de uma fração de segundo. O que poderia ser isso? Pelas leis da Física, não podeira ser uma estrela; variações tão rápidas teriam de ser provenientes de objetos infinitamente menores. A equipe de pesquisadores acabou comprovando a hipótese apresentada trinta anos antes por Zwicky e Baade a respeito das explosões estelares do tipo “supernova” (sua pressão seria suficiente para fundir prótons e elétrons convertendo-os em nêutrons).
O artigo do grupo de Susan foi publicado na Nature e um jornalsita deu o nome de “estrela pulsante” ao fenônomeno recém descoberto (foi poético, apesar de incorreto, mas o nome pegou). O impacto que a descoberta gerou foi enorme (ressalte-se pelo fato de ter sido feita por uma mulher, evidentemente). Susan não esconde seu desprezo pelo modo como a imprensa a tratou:
“Eles me fotografaram em pé em um banco, sentada em um banco, em pé em um banco examinando registros falsos, sentada em um banco examinando registros falsos: um deles até me fez correr pelo banco agitando os braços no ar: “Olha! Feliz querida, você acabou de fazer uma descoberta! (Arquimedes não sabe o que foi perdido!)” Enquanto isso, os jornalistas me perguntavam questões relevantes, como se eu era mais alta ou mais baixa do que a princesa Margaret (temos unidades de medida curiosas na Grã-Bretanha) e quantos namorados eu tive ao mesmo tempo. Foi assim que minha parte do processo terminou. Finalmente terminei a análise dos gráficos, medi os diâmetros angulares de várias fontes de rádio e escrevi minha tese. (Os pulsares estavam em um apêndice).
Em 1974, Antony Hewish dividiria o Prêmio Nobel de Física com Martin Ryle pela descoberta do pulsar, enquanto o nome de Susan foi solenemente excluído das homenagens, como sói acontecer, nestas ocasiões, em sociedades patriarcais.
Inquirida sobre isso, ela respondeu, novamente, com extrema modéstia (o que me faz pensar, mais uma vez, em um Ascendente em Virgem):
“Foi sugerido que eu deveria ter participado no Prémio Nobel atribuído a Tony Hewish pela descoberta dos pulsares. Há vários comentários que eu gostaria de fazer sobre isso:
Primeiro, as disputas de demarcação entre supervisor e aluno são sempre difíceis, provavelmente impossíveis de resolver;
Segundo, é o supervisor que tem a responsabilidade final pelo sucesso ou fracasso do projeto. Ouvimos falar de casos em que um supervisor culpa o seu aluno por um fracasso,
mas sabemos que a culpa é em grande parte do supervisor. Parece-me justo que ele também se beneficie dos sucessos;
Terceiro, acho que degradaria os prêmios Nobel se fossem concedidos a estudantes de investigação, exceto em casos muito raros, e não acho que este seja um deles;
Por último, eu mesmo não me incomodo com isso. Afinal estou em boa companhia, certo?”
Em dezembro de 2014, Susan foi eleita como uma das mulheres mais influentes do mundo pela BBC. Em 2018, recebeu o prêmio Fundamental Physics e destinou-o integralmente (nada menos do que três milhões de dólares) ao auxílio de mulheres, pertencentes a minorias étnicas e estudantes refugiadas, que eram candidatas a cargos de pesquisa em Física. Obviamente, um gesto inspirador (e reparador) de que quem sofreu, na pele, a discriminação de ser a única mulher a estudar Física no início do século passado.
Afinal, desde a Idade Média, o território das ditas “ciências exatas” ainda nos era oficialmente interdito. Sorte da humanidade que pseudônimos existem.